Liliana Graciela Chatelain realiza desde 2013 a oficina "A Arte de Escrever para Reparar" em Buenos Aires e Salvador (presencial e à distância).
Graci é formada em Letras Modernas e Contemporâneas, pela UBA, Argentina, profissão que exerceu no período de 1985-1990 na Universidade de Lomas de Zamora. Nesse período, formou-se também em Psicologia Social pela Primeira Escola Privada de Psicologia Social fundada pelo Dr. Enrique Pichon-Rivière, Buenos Aires, Argentina, exercendo essa profissão na Escola de Psicologia Social de San Martín, em Buenos Aires, nos últimos dois anos antes de se radicar em Salvador.
≈ Quem sou eu? Também sou a minha poesia ≈
Seus olhos estão me olhando, vão acompanhando as minhas palavras, tentando encontrar um sentido ou muitos sentidos, tentando decifrar, compreender o porquê e o para que destas palavras. Estamos nos apresentando através de um dos sentidos.
Eu não o conheço, mas posso imaginar que eis uma pessoa sensível à escrita. Você se apresentaria assim para mim? O que diria sobre você neste nosso primeiro encontro? Confesso que eu gostaria de saber sobre seu interesse em se aproximar de mim, da minha construção, mas sei que se não criar as condições para que isso aconteça, há muita chance de não saber sobre sua existência, ainda que possa imaginá-la. No entanto, eu preciso dessa sua existência para que esta interação tenha sentido. Sendo assim, você me acompanhando com seu olhar, que irá além das palavras, terá a possibilidade de conhecer algo de mim, da minha forma de pensar, de sentir e de fazer a escrita.
Por onde começar esse quem sou eu? E eu diria: sou a minha história e meus vínculos. Nasci no Hospital Fiorito, no Município de Avellaneda, Estado de Buenos Aires, um cinco de agosto de mil novecentos e cinquenta e cinco. Morei durante meus primeiros catorze anos no bairro de Wilde, bairro de classe média trabalhadora e mamei durante minha infância da discussão política militante do sindicalismo de meus pais, operários da indústria têxtil, empenhados em manter seus direitos trabalhistas, depois da derrota de Perón. Eles compartilhavam aspectos importantes das suas vidas: a política, a discussão ideológica, o compromisso e a coerência com suas práticas, o protagonismo, o signo de Áries, o gosto de dançar tango (escutei alguma vez que quando eles dançavam, todos paravam para olhar), o gosto pela cozinha (que minha mãe aprendeu com meu pai, de família e culinária francesas), a leitura. Um dos aspectos que não compartilhavam era a religião, meu pai, tal vez por identificação com as ideias anárquicas da época, se chamava de ateio e minha mãe tinha uma profunda fé Católica. Sempre digo que eu vim para resolver essa contradição, pois me mandaram para estudar em Colégio de freiras franciscanas, cumprindo assim com todos os rituais necessários para pertencer: Batizado, Crisma, Primeira Comunhão, além das missas dominicais. Não sei por que fizeram essa escolha, mas seguramente acharam que seria a melhor e, em todo caso, na escolha prevaleceu a força feminina. Depois de muito tempo fui perceber que carreguei os votos de pobreza e a luta pela justiça social nas minhas escolhas. O conhecimento sobre mim veio, entendendo minha história.
Minha vida foi antes dos trinta e quatro anos e depois deles. Uma vida dividida entre dois países, Argentina e Brasil, duas línguas, duas culturas, duas profissões. Hoje, março de 2014, faz vinte e quatro anos que moro em Salvador e desde que cheguei a esta cidade me tornei formadora de coordenadores de grupos operativos e desde há dois anos coordeno o Curso de Especialização em Psicologia Social Pichoniana ministrado pelo CIEG, Instituição (ONG) da qual sou sócia fundadora e diretora desde 1995. Se bem não trabalhei profissionalmente no campo das Letras quando cheguei a Salvador, nunca deixei de escrever e ler literatura; de fato os primeiros quatro anos nessa cidade foram os de maior produção literária. Talvez como uma forma de elaborar o desarraigo. Mas nos últimos sete anos, consegui integrar esses conhecimentos e potencialidades que estavam em mim e assim surge "A Arte de Escrever para Reparar".
Quem sou eu? Também sou a minha poesia.
•
La muerte y la reparación.
Buscó las palabras en el repertorio conocido. Volvió a las Letras como a aquel espacio y aquel tiempo de la sorpresa. Siempre la poesía uniendo nuestras experiencias locas, pensó con nostalgia.
Cuando su padre murió tenía nueve años; quien le dio la noticia fue su prima Thelma que apenas tenía quince. Nunca supo por qué la eligieron a ella para decirle la cruel verdad o tal vez ella se propuso hacerlo sin nadie pedírselo, con una especie de deseo casi perverso de ver, a esa edad, el dolor del otro por perder su padre; ver su dolor, desamparo, su fragilidad. Recordó que estaba en la casa de su padrino, donde la habían llevado el día anterior, diciéndole que su madre iba a quedarse en el hospital cuidando de su padre. Durante esa noche tuvo un sueño del que se despertó llorando; soñó que su madre se había muerto y su padre la abrazaba consolándola pero con mucha tristeza. De ese día le quedó un itinerario de recuerdos muy claros. El primero que aparece es el trayecto de las diez cuadras caminadas, la distancia
de la casa de su padrino hasta la suya; iba llorando, diciéndole a su abuela María, abuela postiza, y a su prima que la culpa había sido de los médicos, que no lo habían atendido bien, que la culpa era del hospital que tenía los vidrios rotos, que la culpa era el frío; precisaba encontrar culpados para justificar o entender la muerte, o para no culparse o no preguntarse qué podría haber hecho para que él la abandonara; pero un miedo subyacía à todas las palabras, un gran miedo, el de verlo en un cajón muerto; él ya no le podría hablar más, tal vez por eso ella no podía parar de hablar.
El frío parecía entrarle en los huesos; era 22 de julio de 1965, pleno invierno. Eran sensaciones e emociones yuxtapuestas; tiritaba, lloraba, hablaba, culpaba, caminaba con prisa. Nada la conformaba. Fue la distancia más larga de su vida, la distancia que la llevaba a la muerte.
Después de muchos años comprendió que con la partida de su padre se le había acabado la infancia. Fue el primer impacto que la vida le proporcionara.
El itinerario acabó con la llegada a su casa; estaban todos sus tíos, su madre, su hermano y la madre de su papá, su abuela Ernestina que lloraba sin consuelo, de forma silenciosa, mordiendo un pañuelito blanco que tenía entre las manos; era el primer hijo que perdía con cuarenta y nueve años, ella que tenía ochenta y tres; aún recordaba su voz suave y su acento francés diciendo: “por qué Dios no me llevó a mi?” Cinco años después fue el tiempo de su partida.
Hubieron otros dos momentos que marcaron ese día. Uno fue el encuentro con su padre muerto; era la primera vez que veía una persona sin vida; la primera vez que estaba en un velorio. A esa edad la muerte tiene una dimensión muy desconocida. Le miraba las manos y hacía un montón de preguntas a los que tenía cerca, preguntas que los adultos nunca saben cómo responder a una criatura. Después de verlo fue sola hasta el taller que él tenía en la casa; era una especie de galpón pequeño, donde tenía las herramientas y las estufas que él arreglaba, buscó en un armario verde un papel y un lápiz y escribió: “ayer 21 de julio de 1965 murió mi papá”. Fue su necesidad de registrarlo por escrito, algo así como certificarlo para poder creerlo.
El otro momento que aparecía claro en su memoria era durante el entierro, por la tarde; una tarde muy fria de sol. Cuando iban llevando el cajón, caminando hasta el coche fúnebre; recordó que iban atrás, ella junto a mi madre, cuando le dijo: “qué suerte que fue papá y no vos que te moriste!.”
Fue a partir de ese día que comenzó a escribir poemas sobre él, para él, tal vez como una forma de reparar la pérdida.
Los poemas hablaban de sus visitas al cementerio, sobre el canto de los pájaros que le traían su voz, sobre el llanto de su madre, sobre su presencia en algún lugar desde donde podría oírla. Eran poemas tristes y rimados que escribía sin saber que esa era la posibilidad de expresar su dolor y curar su tristeza.
(Mayo de 2005)
•
Síntese
A poesia contagia
imita
traz e leva
lembranças
a palavra define
dá vida
brincar de / com
palavras
metáfora
música
ritmo
verso
cheiro de infância
direto coração
para me dizer
para te sonhar
recriar
dentro de mim
o “você”
e
te esquecer
pois
a palavra cura
liberta
aconchega
faz voar no tempo
papel branco
pena
vida
só
isso.
(Salvador, 2006)
•
Vida mãe
(Para Isabel, minha mãe, que partiu um 17 de novembro e me apresentou outra vida, cinco meses depois de ter escrito esta poesia)
Longe, muito longe
suas mãos enrugadas
sempre quentes.
A alegria da sua voz por me ouvir
a espera do encontro
do abraço, da carícia.
Nunca me canso de te chamar
quando você ora por mim
quando segui os meus passos
de longe, tão longe,
seu olhar me acompanha.
E eu sei que o tempo ainda
jogará seu último baralho
de te perder;
sei que vou correr para te encontrar,
me despedir e te guardar
para sempre na alegria
de te saber dentro de mim
por sempre com a tristeza
de já não me esperar.
Então a vida será depois de ti
outra vida.
(Salvador, 7 de junho de 2007)
•
Caleidoscópio
Eis no silêncio
a falta.
Canções infantis
perfumam a carícia materna
e o tempo,
esse tempo sem medos
da gargalhada solta.
O vento gelado no rosto
indo pra escola
as flores roubadas dos jardins,
a amiga das confidências.
O trem das férias
a avó francesa e o cheiro de jasmim,
parreira de uvas no pátio;
a missa dominical e uma visita aos nossos mortos.
As tias e o baralho por moedas
ao anoitecer.
Um punhado de imagens e lembranças,
então não sabia de nada e era feliz.
A pizzaria do Lito
os sorvetes e o bolo de ricota;
a vovó Maria e o relógio de pêndulo
que herdei e ainda guardo.
O carrossel do Parque Lezama
numa fotografia.
A bicicleta de Juan Carlos e o travesseiro
em cima do qual me sentava para me levar ao jardim de infância.
A farda marrom do Colégio Imaculada,
as colegas da primária e secundária,
garotas do ‘72 e a emoção de revê-las.
Eis a falta e a brevidade da vida.
Isso é tudo que eu tenho ainda na distância.
(Salvador, 03/01/2009)
•
A flecha
As palavras estavam aí também como para serem lançadas. Me perguntei; me perguntei de quem é a mão que puxa a flecha para atrás, nessa conjunção de nós, a vida, o devir. Não desespero, mas paro como anestesiada, paro no tempo, no espaço; fico sem mira. Preciso voltar às palavras que me reparam, me aprofundam a alma e me expressam.
(24/04/2014)
Clique para compartilhar: